domingo, 19 de outubro de 2025

Jogar as cinzas no rio

 Sobre mor.rer em novembro

Tenho pensado nos dias e na hora certa de partir, a insônia me disse que é melhor m0rrer no mês de novembro. 

Tentei brigar com ela, chorei por vários anos nessas horas da madrugada. 

E passei alguns segundos observando o passado. 
E fui olhar a criança bebê que poderia viver mais um ano. 

Intimamente odeio essa criança e odeio a adulta, odeio todas as fases da vida e odeio também as facetas da m0rte.

A m0rte abraça essa incessante vontade de odiar tudo e todos, é cansativo odiar cada resquício de si mesmo. 

Logo a exaustão te preenche e o sono vem.

Chegar nessa idade é em parte milagre e dor. 

Quando criança caí entre troncos e espinhos, meu corpo todo ficou cheio de grandes espinhos de tucumã e não senti dor, só a agonia de ver aquele pequeno corpo todo cravado de grandes espinhos. 

O desespero trás a dor, ela vem com a velocidade de um trem bala descarrilhado e cai como uma grande rocha no corpo humano. Esmaga tudo. Destroça sentimentos e transforma a nossa carne em massa ensanguentada e suja.

É difícil parar de odiar partes abandonadas da criança interna, é difícil segurar um bebê com seu rosto entre as mãos. É difícil esquecer e mais difícil lembrar. 

Não existe desejo maior do que a inexistência e o esquecimento seguro da fuga. A amnésia dos anos obscuros pela imagem ilusória de uma alegria infantil. O bucólico nascimento da inocência. 

A falta de sentido em cada verso sobre a m0rte.

Esse ano pensei em mat4r a adulta e queimar seu c0rpo, jogar as cinzas no rio Araguari e nunca mais ver nada sobre aquela sombra. 

Esse fantasma de gerações que fazem da rejeição um estandarte do amadurecer. 

Crescer dói. Viver dói. Morrer dói.

A rejeição é só um amontoado de sentenças e feridas que não cicatrizam com paliativos, a rejeição e o abandono criam raízes e crescem como a urtiga e os espinhos soltam veneno em conta gotas.

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